Mailson: o ajuste fiscal na Europa pode conviver com a democracia?
18/05/2012 07:08
Mailson: o ajuste fiscal na Europa pode conviver com a democracia?
A maioria dos eleitores da França, da Grécia e da Alemanha foi às urnas na semana passada para rejeitar os programas de austeridade em curso na Europa. É o que Francesco Daveri examina em artigo na Vox. Para ele, com “a Europa em recessão, os eleitores apoiaram os políticos contrários aos cortes orçamentários”. Daveri observa que os países nos quais os eleitores demandam menos impostos são aqueles onde os gastos públicos mais aumentaram nos últimos dez anos”. E acrescenta: “A única saída para as atuais dificuldades é a corajosa implementação de reformas econômicas. Isso já começou em muitos países, mas precisa continuar”.
Na Grécia, diz o autor, os dois principais partidos falharam em alcançar um acordo para formar uma Grande Coalizão majoritária. “Os eleitores gregos estão em dúvida onde devem mergulhar – na desconhecida escuridão da saída da zona do euro ou no continuado sofrimento da austeridade.” Na Itália, o grande sucesso do Movimento das Cinco Estrelas, que concorreu contra a casta política italiana, não é muito diferente do êxito eleitoral do Syriza, o grupo de esquerda radical da Grécia, ou do partido neocomunista francês Mélenchon.”
Todos esses partidos são movidos pela aversão do eleitorado às políticas fiscais restritivas necessárias para manter seus respectivos países na união monetária. “Essas políticas são, todavia, identificadas como a razão básica da persistência da crise e não como uma proteção contra ela. O mesmo se aplica, entre outros, ao Partido Pirata da Alemanha, que obteve mais de 8% dos votos em Schleswig-Holstein, um Estado do norte do país que possui uma forte minoria dinamarquesa”.
Em geral, as eleições do Grande Domingo Europeu (6/5/2012) levantam a questão do Ajuste Fiscal e de sua lógica. “Embora o acordo fiscal tenha sido firmado por 25 países da União Europeia há poucos meses atrás, ele se tornou o selo de garantia para o rigor liderado pela Alemanha. O espectro de um movimento internacional contra a austeridade está assustando a Europa e ninguém sabe como lidar com isso”, assinala Daveri.
A reversão da Política fiscal demandada pela maioria enfrentará obstáculos que não podem ser ignorados, menos ainda por governos mais seriamente preocupados com as implicações sociais da adoção de duras medidas fiscais. De fato, “desde fins de 2011, os 17 países da zona do euro viram os gastos públicos aumentarem de 3,3 trilhões para 4,7 trilhões de euros, ou seja, 39,6%. Como percentagem do PIB da zona do euro, os gastos evoluíram de 47% para 51% do PIB.” O articulista cita em seguida o desempenho fiscal de alguns países, mostrando que o aumento de gastos foi generalizado no período, realçando que na Alemanha as despesas ficaram aproximadamente estáveis como proporção do PIB.
Os números podem ser objeto de interpretação, mas não questionados, diz o articulista. Independentemente do que se pense da ‘regra fiscal alemã’, entre 2001 e 2010 os gastos na zona do euro, excluída a Alemanha, cresceram a um ritmo de 41,5%, em comparação com 18,5% naquele país. “Em resumo, é isso que explica a atual insatisfação do eleitorado alemão com o euro e com a situação atual das instituições europeias. Essa insatisfação é o que explica a atitude aparentemente errática da Chanceler Merkel em anos recentes”.
Diante da reação do eleitorado no dia 6/5, Daveri pergunta se a democracia pode conviver com o ajuste fiscal. “A resposta não é clara”, afirma ele. De todo modo, prossegue, “tendo em mãos os dados comparativos sobre gastos públicos, é difícil e mesmo injusto pedir à Sra. Merkel que renegocie o ajuste fiscal. Cabe destacar a importância da implementação de uma disciplina fiscal crível, o que tem sido negligenciado por muitos anos na Europa, mesmo antes da recente crise.” Pedir isso a Merkel é o mesmo que solicitar que ela cometa suicídio político, conclui.
O melhor será usar a flexibilidade dos tratados europeus. Existe margem para não implementar automaticamente sanções contra a indisciplina fiscal, se esta ocorrer em virtude de êxito de medidas em prol do crescimento econômico. “Este é o caminho a tomar se a Europa quiser ganhar mais legitimidade democrática e ao mesmo tempo restabelecer o crescimento. Além disso, abandonar a estrada das reformas estruturais – mesmo diante das fracas mudanças sob discussão – seria um grande e autodestrutivo erro. A união monetária pagaria muito caro por este erro nos anos vindouros.”
Fonte: Estadão